Eu gostaria de estar presente no mundo daqui duas ou três gerações. Gostaria de ver, com o distanciamento necessário para uma boa avaliação, a época de transformação que vivemos. Não digo exatamente em tecnologia, mas nas relações sociais, mais especificamente, nas relações entre homens e mulheres.
Costumo dizer que estamos no olho do furacão, em plena fase de transição de uma modificação de padrões e valores no que diz respeito ao que é a condição feminina e masculina. Não é novidade e nem é ideia minha, especialistas como o falecido psiquiatra José Angelo Gaiarça e a sexóloga Regina Navarro já falam disto há anos. Mas o fato é que esta transição tem afetado diretamente os relacionamentos, onde homens e mulheres se perdem entre as convenções culturais e a liberdade latente de escolhas que os novos meios de comunicação e a difusão de culturas nos colocam à disposição.
Primeira barreira a ser rompida está no encontro da autonomia pessoal, da quebra do paradigma do amor romântico, em que nossa felicidade está ligada única e exclusivamente ao encontro do outro, ao nosso complementar, à alma gêmea. Nossa cultura ainda insiste, através da propaganda, do cinema e da literatura, a pregar que o ser humano só será completo junto com o outro. Não sou contra este encontro, o que mais me assombra é o vínculo de que desta relação, geralmente submissa, onde se abre mão de sonhos e características pessoais em prol de uma ilusão de "amor perfeito".
Cada vez mais os limites do que é feminino e masculino se tornam mais tênues e mais depressa começamos a ver que homens e mulheres podem ser ao mesmo tempo fortes e fracos, independentes e dependentes, amáveis e brutos, independente do sexo em que nasceram e do que a cultura os impôs, sendo cada dia melhor descritos apenas como humanos.
Há dois anos, escrevi para um blog, como colaboradora, sobre o nascimento da mulher má e do homem cafajeste, frutos de uma cultura em que de um relacionamento desfeito tudo o que pode sobrar é mágoa e rancor. Não se encaixar no que ditam as comédias românticas água com açúcar gera uma desilusão (veja desILUSÃO - algo fictício) tão grande que, ao terminar um relacionamento, o que sobra a homens e mulheres é descontar no próximo relacionamento toda esta frustração, tomados de uma amargura vingativa, ao invés de simplesmente aprender, como acontece em todas as outras áreas de nossas vidas.
Uma amiga uma vez me disse que gostaria que sua vida amorosa fosse tão simples como a sua vida profissional. Mas nem ela se dava conta que não queria isto, pois na carreira, é objetiva, tem dimensão do que quer, de suas habilidades e, caso fosse demitida, não gerava expectativas vãs, se aperfeiçoa e voltava ao mercado de trabalho, fortalecida. Enquanto num relacionamento, gerava uma expectativa de comédia romântica, onde tudo é aventura e fantasia, onde o homem certo chegará para resgatá-la de uma vida tediosa e solitária. Jogamos sobre o outro toda responsabilidade de tornar nossas vidas mais coloridas e interessantes, enquanto não fazemos isto por nós mesmos.
Passados os dois anos que escrevi o post, fui relê-lo. Lá eu dizia que, depois de um relacionamento caótico, poderia surgir uma mulher má ou uma mulher mais madura. O que diferencia a mulher que cresceu da mulher má é que uma continua tendo fé na humanidade, enquanto a outra, propositalmente, acha que o mundo, ou melhor, os homens, são todos maus. Elas querem ser cínicas. Elas acreditam, com fé, que os homens merecem ser maltratados. Estas mulheres estão dispostas a torear, a entrar no ciclo da competição, da guerra dos sexos.
Agora, a mulher que cresceu, aprendeu. Não só sobre relacionamentos, mas sobre si mesma. Do que é capaz, do que gosta, do que não gosta. Não acredito que isto seja se tornar mais "fria", "menos feminina". Acho que isto é se tornar mais consciente.
Quero continuar tendo fé na humanidade e acreditar, sempre, que se existem mulheres que cresceram, existem homens que também estão preocupados em ter relacionamentos melhores. Na época do post, escrevi que tinha desistido de torear. Que agora, queria andar junto. Hoje, depois de mais vivência, mais relacionamentos, literatura e autoconhecimento, digo mais: quero andar junto de mim mesma, amar como mais um aspecto interessante de minha vida, mas não como se do amor romântico dependesse minha felicidade.
*Artigo publicado na coluna “Tendências e Idéias” do Jornal do Tocantins de 10 de março de 2012.
1 comentários:
É engraçado este tema do amor romântico...pq se nós, mulheres, estamos iludidas por tudo que vc descreveu, em especial, pelo amor romântico que consumismo dos filmes americanos... de outro lado os homens parecem bastante perdidos!
Outro dia ouvi de um homem que ele considera que fazer o jantar e ajudar em casa é uma atitude romântica!! eu fiquei em choque. Pra mim isto é obrigação de quem divide uma casa e tá muito longe de ser uma atitude romântica. Mas ele estava convicto de que aquela atitude era romântica!!!
A gente cresce vendo filmes e novelas em que o romance está ligado a flores, mensagens inesperadas, convites para jantares...e eles cresceram ouvindo que a atividade doméstica precisa ser compartilhada e blablabla...
Então, o amor romântico de hoje está entre as iludidas e os perdidos???
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