sábado, 11 de fevereiro de 2012

Olímpia e o amor*




Olímpia não pensava muito no próprio destino. Seguia a vida como se o dia de hoje fosse acabar amanhã e não tecia para si mais do que um ou dois planos para o que tinha que fazer no dia seguinte. Ir ao supermercado, pagar as contas, fazer o relatório do trabalho. Podia dizer que se sobrevivia na vida, era por sorte, não por planejamento. Mas podia se vangloriar de que vivia intensamente cada instante e agradecia a Deus ou deuses ou destino ou sorte ou o que quer que seja que trazia para ela pequenos prêmios.

O último destes presentes ela encontrou num café, entre um expediente e outro do trabalho, num almoço apressado. Ele ofereceu a única cadeira vazia do lugar. Ela aceitou e ali mesmo perdeu seu coração e começou a se preocupar com o tinha pela frente. Começou a contar os dias de trabalho, as horas de solidão e os minutos que faltavam para se encontrar com ele mais uma vez.

Voltava ao café todos os dias, sentava na mesma mesa e encontrava com os olhos o rapaz de cabelos desarrumados e óculos tortos. Sentavam juntos, falavam muito, comiam pouco. Somente durante os dias da semana. Em sua inocência, este tempo bastava.

Mas aos poucos, Olímpia encontrava motivos para planejar mais que o amanhã. Nela, cresceu um desejo maior que ela mesma, uma necessidade que vinha de outro lado que não só o de dentro. Olímpia queria agradar o outro, aconchegar o outro e guardar para sempre a sensação que tinha todos os dias naquele café. Queria levar para casa, queria ampliar para a vida, queria planos, queria filhos.

De repente, sua percepção mudou. Ela, que não conhecia raiva, passou a odiar os fins de semana sozinha, trancada no apartamento com o gato, sua coleção de livros e discos de vinil que ainda tocava na velha radiola herdada da avó. Ela, que não conhecia angústia, passou a ansiar pelo meio-dia, pelos minutos mágicos em que deixava de ser sozinha para ser dois e de dois ser mais que um mundo todo de sentimentos.  Ela, que de expectativa só conhecia a palavra, passou a esperar que o outro correspondesse e desejasse e amasse da mesma forma que ela. Ela, tão pouco sabia da inveja, queria ter para si só aquela pessoa.
Para Olímpia, como para muitos de nós, encontro com o amor não foi feliz.

*Crônica publicada no Jornal do Tocantins, no caderno Arte e Vida do dia 09/02/2012.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O prazer de dirigir




Até que enfim, aos 33 anos, tirei a bendita carteira de motorista. Agora estou devidamente habilitada, para o terror das ruas de Palmas. Brincadeira. Para quem dirige há apenas 4 meses, eu sou boa no volante. Se alguém quiser comprovar, ofereço carona, depois que a pessoa fizer seu seguro de vida.

Brincadeiras à parte, até que eu fui bem, se for levar em consideração as mulheres da minha família. Minha mãe tirou habilitação aos 34, minhas tias mais ou menos por aí também e minhas duas irmãs não sabem dirigir ainda.

Mas enfim, sem querer justificar, já me justificando, eu diria que superei um trauma. Uma vez contei para um colega de faculdade que eu não dirigia porque era traumatizada e depois contei a história. Ele morreu de rir, porque achou que eu tivesse sofrido um acidente grave, matado alguém, ou coisa parecida, mas não, não foi nada disto.

Pode parecer bobagem para muitos, mas trauma é trauma. Só sabe como é difícil passar por cima quem vive, por mais bobo que possa parecer.

Minha história é a seguinte: lá pelos meus 18 anos, idade comum em que a maioria das pessoas tira carteira, eu também estava na mesma onda. Fiz auto-escola e tudo mais, numa época em que não eram obrigatórias as aulas e você tinha só que ir ao Detran marcar a prova de volante. Na mesma época, passei no meu primeiro (de muitos) vestibular.

Como também é costume entre as famílias de classe média, meu pai resolveu me dar um carro. Claro, a gente já estava numa fase de classe média em decadência, então, ganhei um Fusca. Como dizem por aí, eu já quase posso morrer: tive um filho, plantei árvores, tive um Fusca. Só me falta escrever um livro, projeto que prometo cumprir.

Ganhei o Fusca antes de tirar a carteira. E andava no Fusca (que não segurava a segunda marcha, mas de resto estava bomzinho), muito mal. Mas ainda assim, cheguei a ir para a Serra comemorar o aniversário de uma amiga, nele. Quando a estrada de Palmas à Aparecida do Rio Negro ainda nem era asfaltada (sim, já contei minha idade, não tenho medo de denunciar a época em que os fatos aconteceram).

A garagem lá de casa era um "S" e sempre que eu ia sair no carro, pedia ao meu pai ou ao meu irmão para tirar o carro da garagem para mim. Um belo dia, nenhum dos dois queria fazer a gentileza e eu resolvi, por mim mesma, manobrar a máquina. Claro que deu merda. Claro que eu bati a lateral do Fusca, arranquei o para-choque e um pedaço do muro de casa.

Fez um barulho danado, saiu todo mundo de dentro de casa, meu pai e meu irmão com as mãos na cabeça, com expressões nada felizes. Discussão, xingamentos e coisas e tal que, se eu não fosse adolescente, provavelmente nunca teriam acontecido. Prometi para mim e para minha família que nunca mais pegaria um carro enquanto não pudesse comprar o meu.

E foi isto. Um trauma do orgulho ferido. E este orgulho durou um bocadão! E me custou a perda de 15 anos de um prazer enorme que eu descobri! Eu simplesmente A-D-O-R-O dirigir. Poucas coisas me dão tanto prazer quanto pegar a TO 050 (para fazer compras, ainda não me aventurei às rodovias para viajar) com o som ligado no máximo (que eu consigo ouvir, não nos decibéis astronômicos de quem gosta de som automotivo). E pegar as ruas vazias de domingo à tarde e dar aquela volta preguiçosa pela cidade? Nossa, como é bom.

Enfim, meu pai me disse uma vez que quando se aprende a dirigir muito tarde, a pessoa não toma gosto pelo volante. Ainda bem que ele se enganou. Como diz o meme que coloquei ali em cima, para mulher dirigir bem, há que ter testosterona. Pois acho que ganhei um tantinho disto, pois não só tomei gosto por dirigir, como por carros, oficina, posto de gasolina, tudo. Quero aprender tudo sobre este novo prazer da minha vida.