O que fazer com uma criança de seis anos, hiperativa, sozinha, sem irmãos e sem vizinhos nas 48 horas de sábado e domingo? Criei um acampamento no fundo do quintal. E, às vezes, tenho raiva da minha criatividade. Para tudo dar certo, delimitei como cinco o número de crianças com que (achei) conseguiria lidar, contando meu filho. Daí para frente foi preciso planejamento.
Os tempos modernos e a correria do dia a dia tirou das escolas particulares as tais reuniões de pais e professores que eu me lembro que minha mãe ia. Descobri que estas reuniões vão além de ajudar no desenvolvimento pedagógico da escola. É lá que eu ficaria sabendo quem é a mãe do Pedro, o pai do João e com quem falar quando o Tiago der outro cascudo no meu filho. Mas como eu não conhecia as mães e as crianças, só por nomes, mandei um convite-bilhete, explicando o acampamento, dando os meus contatos e pedindo os contatos das mães para que, com elas, pudesse organizar os detalhes.
Enquanto esperava os contatos, pedi emprestada duas barracas, uma de dois lugares e uma de quatro. Limpei o quintal, tirei de lá tudo o que fosse potencialmente perigoso, como tábuas e tijolos. No segundo dia depois dos bilhetes, as mãe começam a ligar.
Primeira barreira. Um dos coleguinhas convidados tem uma dieta rígida, de pão integral, frutas e água de coco, o que mudava um pouco o meu menu de mashmallows na fogueira, pão com presunto e queijo e biscoitos. Mas tudo pelo bem do acampamento. Controlaria os mashmallows, aumentaria as frutas consumidas, o pão seria integral e os biscoitos não teriam gorduras trans.
A segunda mãe me liga: “Os meninos podem levar videogame?”. Uai, claro que não! É um acampamento. Tá, é no quintal, mas se estivéssemos no mato, não teria televisão, nem tomada para ligar o aparelho, certo? A criança pega o telefone: “Tia, então posso levar meu PSP?”
Sábado, 16 horas, chega a primeira criança e 15 minutos depois, estavam todas lá. Acho que as mães queriam mesmo uma noite de folga. Mobilizo as crianças para montar as barracas. Quero saber de onde os fabricantes de barracas tiram as medidas das pessoas que cabem dentro de seus produtos, porque a de duas pessoas mal cabia uma criança e a de quatro, coube três meninos de 7 anos com aperto.
Às 21h45, houve uma baixa: a criança que queria levar o playstation para o acampamento, fez uma mobilização, quis voltar para dentro de casa e ver filmes e foi prontamente podado antes que criasse um motim. Mas não conseguiu vencer a abstinência e ligou para que a mãe fosse buscá-lo. Pobre mãe. Chegou em casa, vestida pra festa que teve que cancelar pelo vício do filho de oito anos. Algumas crianças não estão preparadas para voltar no tempo.
(Crônica minha publicada no Jornal do Tocantins do dia 22/10/2009)