sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Acampamento de guerra

O que fazer com uma criança de seis anos, hiperativa, sozinha, sem irmãos e sem vizinhos nas 48 horas de sábado e domingo? Criei um acampamento no fundo do quintal. E, às vezes, tenho raiva da minha criatividade. Para tudo dar certo, delimitei como cinco o número de crianças com que (achei) conseguiria lidar, contando meu filho. Daí para frente foi preciso planejamento.

Os tempos modernos e a correria do dia a dia tirou das escolas particulares as tais reuniões de pais e professores que eu me lembro que minha mãe ia. Descobri que estas reuniões vão além de ajudar no desenvolvimento pedagógico da escola. É lá que eu ficaria sabendo quem é a mãe do Pedro, o pai do João e com quem falar quando o Tiago der outro cascudo no meu filho. Mas como eu não conhecia as mães e as crianças, só por nomes, mandei um convite-bilhete, explicando o acampamento, dando os meus contatos e pedindo os contatos das mães para que, com elas, pudesse organizar os detalhes.

Enquanto esperava os contatos, pedi emprestada duas barracas, uma de dois lugares e uma de quatro. Limpei o quintal, tirei de lá tudo o que fosse potencialmente perigoso, como tábuas e tijolos. No segundo dia depois dos bilhetes, as mãe começam a ligar.

Primeira barreira. Um dos coleguinhas convidados tem uma dieta rígida, de pão integral, frutas e água de coco, o que mudava um pouco o meu menu de mashmallows na fogueira, pão com presunto e queijo e biscoitos. Mas tudo pelo bem do acampamento. Controlaria os mashmallows, aumentaria as frutas consumidas, o pão seria integral e os biscoitos não teriam gorduras trans.

A segunda mãe me liga: “Os meninos podem levar videogame?”. Uai, claro que não! É um acampamento. Tá, é no quintal, mas se estivéssemos no mato, não teria televisão, nem tomada para ligar o aparelho, certo? A criança pega o telefone: “Tia, então posso levar meu PSP?”

Sábado, 16 horas, chega a primeira criança e 15 minutos depois, estavam todas lá. Acho que as mães queriam mesmo uma noite de folga. Mobilizo as crianças para montar as barracas. Quero saber de onde os fabricantes de barracas tiram as medidas das pessoas que cabem dentro de seus produtos, porque a de duas pessoas mal cabia uma criança e a de quatro, coube três meninos de 7 anos com aperto.

Às 21h45, houve uma baixa: a criança que queria levar o playstation para o acampamento, fez uma mobilização, quis voltar para dentro de casa e ver filmes e foi prontamente podado antes que criasse um motim. Mas não conseguiu vencer a abstinência e ligou para que a mãe fosse buscá-lo. Pobre mãe. Chegou em casa, vestida pra festa que teve que cancelar pelo vício do filho de oito anos. Algumas crianças não estão preparadas para voltar no tempo.

(Crônica minha publicada no Jornal do Tocantins do dia 22/10/2009)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Na contramão da lei antitabagista



Não fumo. Nunca entendi como a humanidade chegou ao fumo. Comer plantas e animais estranhos é compreenssível. Comer faz parte da sobrevivência, é basal. Agora, qual foi o motivo que levou uma pessoa na antiguidade a enrrolar umas ervas, colocar fogo, levar à boca e tragar? Ah, os mistérios da humanidade... Para não dizer que nunca fumei, uma vez comprei um cachimbo e fumei camomila e um fumo aromatizado de menta, mais para fazer estilo do que por gostar. Também numa festa, peguei o cigarro de um amigo para tentar entender que graça ele via naquilo. E na faculdade costumava lamber os filtros dos cigarros de Bali alheios, que tem gostinho de bala de menta.

As duas vezes que traguei tabaco, fiquei tonta e nauseada. Não entendi de jeito nenhum de onde as pessoas tiram o prazer de fumar. Então, tirando estas experiências, mantenho minha boca longe dos cigarros. Já meus pulmões, coitados, foram açoitados quase que diariamente por todo o período em que morei com meus pais, que fumavam juntos 4 carteiras de cigarro por dia. Um dia, se eu morrer de câncer de pulmão, será por causa deles.

Mas esta exposição me tornou tolerante com os fumantes. Poucas vezes a fumaça do cigarro realmente me incomodou, não tenho nada contra alguém fumar numa mesa de bar em que eu esteja. Não sou tão tolerante ao ponto de deixar que fume na minha sala, mas não me importo que alguém (quase sempre meu pai, quando me visita) fique fumando na varanda enquanto bate um papo.

Mas a cultura de fumar tem alguns comportamentos que eu invejo. O tal "vamos fumar lá fora", por exemplo. Invejo os fumantes no trabalho que, no meio de qualquer crise, não importa qual, viram um para o outro e dizem: vamos fumar lá fora? E neste momento resolvem problemas do mundo, confidenciam segredos e boatos, discutem a relação e tomam café. Não que eu goste de café, mas me parece elegante depois de "vamos fumar lá fora", o próximo passo: "me acompanha num café?". Fica mais elegante ainda se as pessoas não estão no trabalho, mas próximos a uma cafeteria ou a uma máquina de café expresso.

E falando em elegância, nunca achei bonito mulher fumando cigarros pelo canto da boca, fica extremamente grosseiro. Mas já naquelas piteiras longas, hollywoodianas, acho a perfeição! Ainda agressivo, mas elegante, glamouroso. Acho que algumas pessoas foram talhadas para fumar. Das poucas vezes que me arrisquei a namorar um fumante, o gosto de cinzeiro que eles tinham na boca era compensado pela elegância que eu via neles ao fumar, na leveza com que levavam o cigarro na mão, como um extensão dos dedos. Ficava hipnotizada, minutos perdidos no espaço enquanto eu só observava as mãos e a fumaça bailando no ar, preguiçosa.

E o que dizer do isqueiro, este catalizador social? Basta uma pessoa dizer:
Tem fogo? Que um estranho próximo, de posse do instrumento mágico, passa a ser amigo, confidente e se fumar também e ainda compartilhar um trago, está automaticamente convidado para o churrasco de domingo.

Com as leis antitabagistas, os governantes estão falando algo como: fumantes, vão fumar em suas casas! E se tiver crianças por lá, cuidado! E não estão errados, não sou contra a proteção da saúde, vou ficar feliz em não ter que mudar a posição da cadeira para desviar da fumaça, mas também, de uma forma estranha, já que não sou fumante, vou ficar nostálgica com uma cultura que vai se perdendo.